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ARTIGOS e TEXTOS

PLANEJAMENTO E OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO ATRAVÉS DA EXPANSÃO DA ATIVIDADE TURÍSTICA: CONDICIONAMENTOS BÁSICOS A PARTIR DA QUESTÃO AMBIENTAL*
Doris van de Meene Ruschmann


O patrimônio ambiental é um elemento essencial para o desenvolvimento turístico. Ele é extremamente frágil e algumas explorações intensivas o alteram de forma irreversível . Mesmo assim, é preciso considerar sua utilização para o turismo, indispensável para o desenvolvimento socio-econômico de certas regiões.

Neste estudo, adota-se como definição para o meio ambiente, aquela apresentada por Holder (1991:279) que o considera como sendo a “biosfera, isto é: as rochas, a água e o ar que envolvem a terra, juntamente com os ecossistemas que eles mantém”. Esses ecossistemas são constituídos de comunidades de indivíduos de diferentes populações (bióticos) que vivem em uma área, juntamente com seu meio não vivente (abiótico) e se caracterizam pelas suas interrelações, sejam elas simples ou complexas.
 A preservação do meio depende de uma política turística eficaz que deve considerar, entre outros fatores, a condução racional da ocupação territorial pelas facilidades turísticas e equipamentos de lazer e o controle do seu crescimento desmesurado, visando salvaguardar a atratividade e a originalidade das atrações para as gerações futuras (turismo sustentável).
 Algumas propostas, sugestões e modelos desenvolvidos no sentido de preservar os espaços naturais foram implantados, total ou parcialmente, em algumas regiões e locais específicos dos países em desenvolvimento e também naqueles em desenvolvimento. Porém, todos eles apresentam dificuldades na verificação da sua eficácia, devido aos problemas decorrentes da interdisciplinariedade do assunto. Ele envolve a atuação não somente de especialistas em turismo, ecologistas, economistas, sociólogos e de geógrafos, mas também aquela dos representantes de grupos econômicos - interessados no desenvolvimento do turismo, associado à rentabilidade dos seus empreendimentos.

As leis de proteção ambiental e outras específicas para a proteção dos recursos turísticos existem em quase todos os países porém, muitas vezes o desencontro entre o discurso oficial e a prática cotidiana é flagrante. O poder de certos grupos de interesse, a pressão econômica e as relações privilegiadas com as administrações locais, lançam o descrédito sobre uma regulamentação boa e adequada - no papel - porém constantemente violada na prática.

Para que o desenvolvimento do turismo ocorra em harmonia com a proteção do meio ambiente, é preciso:

Garantir o equilíbrio entre os agentes da proteção ambiental e os empreendedores de equipamentos e serviços turísticos.

Trata-se de um postulado difícil de por em prática uma vez que, na maioria das vezes, os agentes do desenvolvimento turístico não são os mesmos do que aqueles envolvidos na proteção da natureza. Afirma- se de que o relacionamento entre o turismo e o meio ambiente dá mais espaço para a polêmica do para a observação e a análise dos efeitos do primeiros sobre o segundo. É preciso estimular o diálogo e o intercâmbio entre os profissionais das duas áreas, a fim de que se desfaça o estereótipo de que os profissionais dos turismo são os poluidores e destruidores da natureza, e os ambientalistas, como doces visionários, economicamente irresponsáveis.

Considerar que não existe um turismo “bom” ou “mau”, ou um que respeita o meio ambiente e outro que o destroi.
 O turismo, um enorme gerador de riquezas, constitui, ao mesmo tempo, um força de agressão à natureza, às culturas, aos territórios e às sociedades. Portanto, é preciso não subestimar o caráter potencialmente agressor de todos os tipos de turismo e compreender aqueles que se apresentam como respeitadores do meio ambiente ((turismo ecológico, de aventura, “brando”), também podem tornar-se danosos como os outros, quando não consideram a sustentabilidade dos meios extremamente frágeis que visitam.. Entretanto, o turismo de massa, apresenta-se, atualmente, como aquele que mais agride o meio ambiente, por concentrar um número excessivo de turistas em localidades restritas, mas que acaba por funcionar como protetor de outros meios, ao concentar-se em localidades específicas.

É preciso ter cautela com afirmações muito generalistas.

O turismo constitui um conjunto de equipamentos muito diversificados de empresas e de práticas - cujos impactos sobre o meio ambiente diferem quantitaiva e qualitativamente entre si e, por isso, necessitam ser avaliados isoladamente.

Em termos da ocupação territorial da atividade, ela apresenta contrastes de uma destinação para outra, tanto no que se refere à distribução populacional como nas atividades e ocorre em espaços turisticamente saturados, supersaturados, desertos ou semi-desertos. Portanto, não se pode raciocinar de forma genérica, uma vez que os problemas de uma área turisticamente saturada são diferentes daqueles de áreas virgens.

Evitar as perigosas políticas de TUDO ou NADA

Elas caracterizam os sistemas rígidos e bloqueados como por exemplo, os parques nacionais ou as estações ecológicas. Quase tudo é permitido no primeiro e tudo é proibido no segundo, estimulando, assim, os abusos em um espaço e os comportamentos excessivamente conservadores em outro. Por isso, já há posicionamentos favoráveis à uma flexibilização das leis restritivas dessas áreas.

Após um período de apogeu da economia, ou da socio-economia, entra-se num período que se caracteriza por um posicionamentos socio-territorial.

As visões e explicações econômicas já tiveram a sua época e as sociedades atuais se interessam cada vez mais pelo espaço e pelo território e, no caso do turismo, pelo relacionamento da atividade com os recursos naturais. Este novo enfoque poderá servir de fundamento para um novo ” eco-desenvolvimento”, que consitui a base para que as gerações futuras assumam o controle dos espaços nos quais viverão.

A qualidade do meio ambiente passa a constituir-se a base do turismo qualitativo - que apresenta certos custos.

A rentabilidade dos equipamentos e serviços turísticos pode ser avaliada a curto e médio prazos, enquanto que a da proteção ambiental se apresenta a longo prazo. Como o custo do turismo qualitativo é alto devido às atividades seletivas, equipamentos específicos e o envolvimento de poucas pessoas que o caracterizam, é preciso considerar a viabilidade econômica da atividade em localidades dotadas de recursos turísticos de modo que todos aqueles nela engajados suportem os custos resultantes dessa qualidade.

Entretanto, abrir mão da qualidade em favor da lucratividade dos equipamentos e recursos turísticos caracteriza a visão empresarial imediatista e que, a longo prazo, mostrará seu potencial auto-destrutivo.

A experiênca tem demonstrado que aqueles que vivem do turismo não aceitam adequar-se ou sujeitar-se, voluntariamente, aos interesses específicos das comunidades e da proteção do meio como um todo. Por isso, a necessidade da intervenção no desenvolvimento do turismo se faz necessária em todas as localidades e, quanto mais severa for a legislação e o seu cumprimento, maiores serão as chances de proteger os ambientes e de proporcionar a sua utilização turística de forma racional e gratificante, tanto para a população receptora como para os turistas.

Como medidas para diminuir os impactos ambientais do turismo recomenda-se:

Na implantação / operação de equipamentos turísticos:

- Identificar e minimizar os problemas ambientais originários da operação dos equipamentos, concentrando as atenções em novos projetos;

- Cuidar dos impactos ambientais resultantes da arquitetura, construção e operação dos equipamentos turísticos;

- Zelar pela preservação ambiental de áreas protegidas ou ameaçadas, de espécies de fauna e flora e das paisagens;

- Praticar a economia no consumo de energia;

- Reduzir e reciclar o lixo;

- Controlar o consumo de água fresca e o tratamento daquelas servidas;

- Controlar, reduzir ou eliminar os produtos nocivos ao meio ambiente natural, tais como inseticidas, pesticidas, corrosivos tóxicos ou materiais inflamáveis;

- Respeitar e proteger objetos e sítios históricos (civis / religiosos);

- Respeitar os interesses da população local, incluindo suas tradições, sua cultura e seu desenvolvimento futuro;

- Considerar os aspectos ambientais como fatores fundamentais na capacidade de desenvolvimento das destinações turísticas.

Soluções Comportamentais para a Proteção do Meio Ambiente

As soluções comportamentais para a proteção ambiental buscam identificar as condições sob as quais os agentes individuais do desenvolvimento restringem voluntariamente o uso dos bens públicos, sem coações ou obrigações externas, controlando seus ímpetos desenvolvimentistas. Essas soluções envolvem valores sociais tais como o altruismo, a confiança, a consciência, as normas coletivistas, a responsabilidade social, a informação e a comunicação (Wiener & Doescher. 1991: 42).

A chave para a mudança comportamental dos agentes reside na disseminação de novos conhecimentos e idéias através da educação. Esta porém apresenta dificuldades devido ao fato do turismo englobar uma série de diferentes empresas, organizações e indivíduos, todos oferecendo uma gama de produtos tangíveis e intangíveis ao mercado. Os agentes do seu desenvolvimento e os investidores também são numerosos, diversificados e dispersos e essa heterogeneidade dificulta a disseminação de conhecimentos e a cooperação individual mútua em ações voluntárias que visem a proteção do meio ambiente.

As maiores barreiras para a contenção ou restrição voluntária da implantação de equipamentos e atividades turísticas que provocam danos ao meio ambiente se situa no temor dos empresários em parecer otários diante dos seus pares, os interesses individuais e a desconfiança nas boas intenções dos concorrentes ou do governo; mas apesar disso, são necessárias e devem ser tentadas em todos os níveis empresariais e estatais.

A demonstração dos efeitos econômicos favoráveis que medidas ambientalmente saudáveis estimulam através da imagem progressista e consciente do empresário perante seus clientes (”marketing verde”), tem se apresentado como uma forma convincente de estimular a sua participação.

Porém mesmo considerando positiva a evolução da sensibilidade para com a natureza, a situação atual ainda está longe de ser a ideal. Por muitos anos ainda, será preciso administrar as heranças problemáticas do passado nas localidades turísticas, principalmente aquelas visualmente degradadas ou aquelas que envelhecem mal; isto é, onde a clientela inicial foi substituída por turistas de baixo poder aquisitivo e onde o vandalismo deixou marcas irreversíveis nas paisagens, provocados pela ausência do planejamento que propiciou o seu crescimento descontrolado.

Atualmente, o planejamento da evolução do turismo, através do enfoque do desenvolvimento sustentável da atividade, apresenta-se como a forma preventiva ideal para proteção dos meios visitados, conservando a natureza, oferecendo conforto e satisfação ao turista, sem agredir a originalidade das comunidades receptoras. Porém, o estabelecimento de um modelo “universal” que direcione e oriente o desenvolvimento dos equipamentos e dos fluxos turísticos nos espaços naturais é praticamente impossível. A variedade dos fatores intervenientes é muito ampla, de modo que cada caso terá que ser estudado isoladamente e, de acordo com suas características e o grau de agressão já existente, deverão ser adotadas medidas preventivas ou corretivas.

Para tanto, será preciso adotar um planejamento integrado, sistemático e adequado à complexidade dos ambientes designados para o desenvolvimento turístico e às tendências, tanto do mercado produtor do turismo como aquele dos consumidores - os turistas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HOLDER, Jean. 1999. “Pattern and Impact of Tourism on the Environment of the Caribbean”. in: MEDLIK, S. (Ed. ) Managing Tourism. London. Butherworth- Heinemann.


WIENER J.L. & DOESCHER, T.A. 2001. ” A Framework for Promoting Cooperation”. Journal of Marketing (55):38-47. April.

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* - Texto extraído do livro RUSCHMANN, Doris. 2004. 10.ed. “Turismo - Planejamento Sustentável : A proteção do Meio Ambiente. Campinas. Papirus.

ARTIGO ESCRITO POR: Doris van de Meene Ruschmann

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No turismo o Município é o DESTINO
O Governo Federal, o Governo Estadual, todos se apoderam do turismo discutindo políticas do turismo junto com os estados e se esquecem que o grande investimento deveria ser realizado no município, pois é lá que tudo acontece, é lá que estão os atrativos e os produtos que os turistas procuram.
As pessoas mais importantes na discussão das políticas deveriam ser os prefeitos e seus secretários de turismo e também o conselho municipal.
O planejamento do turismo só poderá produzir efeitos positivos reais sociais, ambientais e culturais se observado a realidade local e acompanhado pela comunidade, é ela quem vai atender o turista.
Considerando que o turismo depende diretamente da qualidade dos atrativos oferecidos na localidade, temos por obrigação conscientizar as pessoas envolvidas em cada atrativo para que ela permita ser capacitada em todos os aspectos, para atingir o objetivo de formatar o produto para que o seu município seja consolidado.
Quanto mais houver participação da comunidade mais ela estará engajada no processo e assim facilitará a execução do planejamento.
O PNMT foi um programa que, se preocupou muito em disseminar a idéia de que é o cidadão que sabe o que acontece no seu município, e também o que ele e seus pares desejam.
A cidade só é boa para o turista quando é boa para o cidadão
Parece fácil dizer que o turismo é o grande gerador de emprego e renda, todos os políticos o dizem, mas é difícil fazer isto acontecer. Capacitar pessoas é muito oneroso e muito difícil, não é com aulas de algumas horas ou oficinas de dois ou três dias que conseguimos capacitar as pessoas, poderá demorar um ano para que isto aconteça, é necessário ter paciência e humildade para dizer estou realizando um processo de capacitação.
Vamos ser honestos e fazer uma capacitação plena para que as pessoas de fato sejam capacitadas no seu mister e possam atender bem o turista.
Anna Maria Marcondes Machado
Consultora
ARTIGO ESCRITO POR: Anna Maria Marcondes Machado



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UNIDADES DE CONSERVAÇÃO - TURISMO E VISITAÇÃO RISCOS E RESPONSABILIDADES - PARTE UM
João Allievi (*)
Silvania Maria Schumaher(**)
RESUMO
A expansão do mercado ecoturístico ampliou os horizontes da oferta de produtos e serviços verdes. O turismo de aventura cresceu rapidamente e o que era privilégio de poucos, hoje é opção para todos que procuram lazer e emoção junto à natureza. Com o aumento da demanda cresceu também o número de vítimas de acidentes físicos ocorridos em trilhas, cachoeiras, na água, terra e ar. A ausência de normas reguladoras e a inexistência de um paradigma jurisprudencial agravam uma situação onde as dúvidas são muito maiores do que as certezas. Afinal, de quem é a responsabilidade cível e criminal, pelos danos e prejuízos físicos e materiais, causados por acidentes dentro das Unidades de Conservação - federais, estaduais e municipais?
As Unidades de Conservação hoje abertas ao turismo começam a enfrentar questões legais e administrativas envolvendo a responsabilidade por acidentes ocorridos dentro de seus domínios. As empresas ecoturísticas prestadoras dos serviços e o público consumidor se sentem mal informados e perdidos levados pelo vento incerto das interpretações casuísticas. Para tentar entender a questão procuraremos interpretar, à luz da legislação vigente e com o auxilio de casos concretos, os direitos e obrigações dos três personagens principais desse enredo.
a) a administração pública gestora da Unidade de Conservação;
b) a empresa turística prestadora do serviço;
c) o turista visitante/consumidor.
Este artigo é composto por três partes. A primeira parte trata de identificar os atores envolvidos numa relação entre pessoas físicas e jurídicas, públicas e privadas, prestadoras ou consumidoras de serviços turísticos; aborda a questão risco (assumido e assistido) e tece comentários sobre as características do mercado de aventura, a oferta, a demanda e o perfil dos acidentados; diagnóstico mostra a incidência e a causa dos acidentes pessoais ocorridos nos últimos anos no Brasil, e por fim, alguns termos técnicos e conceituações jurídicas de relevância para o entendimento do assunto.
A segunda parte do artigo enfoca a responsabilidade de cada um dos personagens envolvidos, (poder público, iniciativa privada e o turista/visitante), exemplificando, com casos reais, alguns dos acidentes mais comuns.
O texto se completa com a terceira e última parte, onde o foco é a Unidade de Conservação, território onde a prática ecoturística se realiza, com uma abordagem objetiva dos diversos tipos de áreas naturais protegidas e as restrições de uso, especialmente ao turismo e a visitação pública.
INTRODUÇÃO
O Ecoturismo deixou de ser moda para tornar-se um importante segmento de mercado. Cláudio Leuzinger, no livro Ecoturismo em Parques Nacionais, diz que:
[...] a partir da explosão mundial do Ecoturismo [...] nasceu uma indústria altamente lucrativa voltada para esta espécie de turismo e que hoje movimenta bilhões de dólares em todo o planeta, sendo fonte geradora de emprego e renda, impulsionadora de atividades industriais, comerciais e de serviços, promotora da educação ambiental e integradora de populações nativas à sociedade (Leuzinger, 2002).
Aventurar-se pelas regiões inóspitas do país deixou de ser uma atividade exclusiva dos naturalistas de outrora. Hoje, a prática do Ecoturismo e do Turismo de Aventura, se popularizou e a vontade de desafiar e/ou conhecer a Natureza, não caracteriza mais um jeito personalístico de ser. Esse tipo de turismo, de um lado impõe limites físicos e psicológicos, mas por outro, proporciona, de forma desafiante, a motivação pessoal e a integração com a natureza. Uma experiência hodierna, onde a superação de obstáculos físicos, geográficos, pessoais e emocionais é tão gratificante, que quase vicia. É o que diz o folheto da operadora americana Explore World-wide. “Cuidado! A viagem de aventura pode causar dependência” (apud Swarbrooke, 2003).
Quando lembramos do Centro Excursionista Universitário - criado na década de 70 no campus na USP-, vemos que as coisas, de lá pra cá, mudaram muito. Há trinta anos conseguir juntar um grupo de amigos dispostos a descer a Serra do Mar a pé, era por si só, uma aventura. Naquele tempo dormir nas cavernas do PETAR/SP, escalar as Agulhas Negras no Itatiaia/RJ ou mergulhar no mar de Abrolhos, no litoral da Bahia era coisa para poucos e malucos. Daquela época só restaram inesquecíveis lembranças e a certeza de que “nada mais será como dantes no quartel de Abrantes”.
TURISMO, ECOTURISMO E TURISMO DE AVENTURA
Não é nosso propósito descer às minúcias das definições, mas, para uniformizar a nomenclatura é importante entender o significado, a abrangência e a aplicação dos conceitos aqui utilizados.
Tem muita gente que não gosta de ser chamada de turista, pois vê na figura, ares pejorativos, depreciativos e consumistas. Muito exagero, pois turismo depende da forma como se pratica. O turismo praticado com responsabilidade agrega valores culturais, sociais, econômicos e ambientais.
Mas, juridicamente falando, ser um turista é uma coisa quase óbvia. A nova Lei Geral do Turismo - nº11771, de 17/09/2008- em seu artigo segundo, define Turismo como “a atividade realizada por pessoas físicas durante viagens e estadas em lugares diferentes do seu entorno habitual, por um período inferior a um ano, com finalidade de lazer, negócios ou outras”. A doutrina define o Turista como “aquele indivíduo que se desloca para um local diferente de sua residência habitual, motivado por diversos interesses, podendo durante sua permanência [...] contratar serviços para completar sua visita como: hospedagem, alimentação, aluguel de equipamentos, guias e monitores” (BRASIL, 2006: 58).
Existem diversos tipos de turismo que se caracterizam de diferentes formas, os chamados segmentos - turismo de negócios, religioso, cultural, rural, de pesca, para a terceira idade, etc. No momento, nossa abordagem fixa o foco naquele turismo que é feito junto à natureza, ou mais especificamente, no turismo desenvolvido em áreas naturais, dentro das Unidades de Conservação. Falamos, pois do Ecoturismo, um ramo do turismo entendido como “o segmento do turismo em que a paisagem é a principal variável, [...] prioriza a preservação do espaço natural e contempla sua conservação antes de qualquer outra atividade” (PIRES, 2002). Complementa o conceito, a posição de Leuzinger, quando denomina “o turismo e as atividades não competitivas praticadas em ambientes naturais como Ecoturismo e/ou turismo de aventura” (Leuzinger, 2002).
Mas o Ecoturismo evoluiu e também se ramificou, criando um segmento dentro de outro segmento. Estamos falando, claro, do Turismo de Aventura. Nos idos de 1998 o Profº. Mário Carlos Beni tentava delinear o segmento dizendo que:
Turismo de Aventura era aquele realizado por mochileiros que praticam trekking, pernoitam em acampamentos, tendas ou ao ar livre, (bivaque) e percorrem trilhas naturais, com ousadia, abrindo novos caminhos. É uma entrega de si mesmo na busca de desafio ou de auto-realização [...]. Caracteriza-se por uma acentuada necessidade de refugiar-se na natureza em razão do aumento do formalismo e da rigidez da vida urbana [...]. Destinadas a aguçar competição, audácia, iniciativa e criatividade, as atividades do turismo de aventura, antes reservadas a uns poucos, passaram a integrar o modo de vida de homens de negócio, da juventude universitária e outros estratos sociais (Beni, 1998).
Numa versão atualizada podemos entender o Turismo de Aventura como “a atividade oferecida comercialmente, usualmente adaptada das práticas esportivas de aventura e que tenham ao mesmo tempo o caráter recreativo e envolvam riscos avaliados, controlados e assumidos” (Brasil, 2005).
Turismo de Aventura é um tipo de turismo praticado por pessoas fisicamente bem preparadas que oferece atividades estimulantes, envolvendo sempre algum elemento de risco real ou potencial. Não exige instalações de luxo, porém o equipamento precisa ser de boa qualidade e estar em perfeitas condições de segurança (OMT, 2000).
O MERCADO, A OFERTA E A DEMANDA.
Se há anos atrás tínhamos pouquíssimas opções de viajar em busca de aventura, hoje é diferente, pois o efeito da adrenalina pode ser sentido nas percentuais de uma demanda crescente. Com o aumento da demanda, cresceu também a oferta. Dados publicados pelo Manual de Regulamentação Normalização e Certificação em Turismo de Aventura (BRASIL, 2005), informam que existem no Brasil, mais de duas mil empresas prestadoras de serviços que, formal ou informalmente, oferecem serviços ecoturísticos. Basta entrar na internet para ter acesso a centenas de sítios oferecendo viagens cheias de emoção e aventura: caminhadas, rafting, rappel, mergulho, espeleoturismo, voo livre e muito mais. Tudo com segurança, conforto, qualidade e o pagamento parcelado no cartão de crédito. Que bom!
Além da proliferação das empresas, alguns municípios brasileiros se tornaram grandes destinos ecoturisticos e hoje ajudam a aumentar o leque de ofertas. Brotas em São Paulo e Bonito no Mato Grosso do Sul são exemplos de municípios anfitriões, que recepcionam um público fiel e variado a procura de aventura, com segurança e comodidade.
Se de um lado o aumento da oferta de serviços traduz o saudável e contemporâneo gosto pela natureza-mãe, por outro aponta para uma ameaça perigosa. Perigosa para os heróis de última hora e perigosa para o ambiente visitado.
ECOTURISMO E TURISMO DE AVENTURA - ATIVIDADES DE RISCO
Fazer aventura significa, na maioria dos casos correr riscos. “Um risco que pode ser controlado e/ou evitado com o emprego de técnicas corretas, logística apropriada, equipamentos adequados e principalmente, bom senso” (Allievi, 2005). No Ecoturismo, o risco faz parte da mochila e envolve sempre uma relação remunerada de custo-benefício entre o aventureiro/consumidor e o operador/fornecedor.
Circunscrever a abrangência do risco não é tarefa fácil. Para alguns sair de casa, pegar estrada de terra, tomar banho gelado, comer miojo com goiabada já é uma atividade de risco (sic). Para outros, no entanto, correr risco significa transpor limites pessoais e barreiras psicológicas. De qualquer forma é sempre bom lembrar que correr risco não é crime e desafiar o perigo, não é pecado. Vale aqui a lembrança da musica popular: Quem não dormiu no sleep bag, nem sequer sonhou.
RISCO ASSUMIDO E RISCO ASSISTIDO
Recentemente, o Ministério do Turismo publicou, em parceria com o Instituto de Hospitalidade, o Manual de orientação sobre práticas de buscas e salvamento no turismo de aventura (BRASIL, 2005a). Nesse documento, encontramos algumas definições importantes que vão nos ajudar a entender melhor o assunto:
Nas atividades ecoturísticas ou de aventura identifica-se dois tipos básicos de risco:
Risco Assumido - é aquele derivado da opção livre e consciente do individuo, no simples exercício do livre arbítrio. Quem se aventura deve prever o grau de risco inerente àquela atividade, pois o sucesso vai depender, direta ou indiretamente, da correta avaliação dos fatores físicos - saúde, técnicos - uso de equipamento e ambientais - maré, chuva, vento, calor. Assume o risco, o navegador Amir Klink quando resolve cruzar o Atlântico, sozinho, num barco a remo. Nesses casos, a responsabilidade é, exclusivamente, de quem resolve, por livre e espontânea vontade, praticar atividade sabidamente perigosa ou arriscada.
Risco Assistido - é aquele que pressupõe, mediante avença remunerada ou não, a garantia de um limite de segurança individual e coletivo. Nesta situação, o aventureiro/consumidor transfere a terceiros, parte da responsabilidade por sua própria segurança. Compartilha o risco, o pai que leva o filho até Brotas/SP, para fazer, a bordo de um bote inflável, um rafting no Rio Jacaré-Pepira. Nesses casos fica pressuposto o fato de que, por si só, a pessoa não se exporia a tal risco, mas que, mediante remuneração transferiu e delegou, a um profissional, a obrigação de zelar por sua segurança.
ACIDENTES PESSOAIS NO TURISMO DE AVENTURA
A busca contemporânea e consumista do espírito de aventura traz consigo consequências nefastas. É o caso dos acidentes pessoais, fatais ou não, que hoje engrossam as estatísticas. Segundo o diagnóstico elaborado pelo grupo de trabalho coordenado pelo Ministério do Turismo - Relatório Diagnóstico - Regulamentação, Normalização e Certificação em Turismo de Aventura (BRASIL, 2005a), o número de acidentes no turismo de aventura é bastante significativo.


Fonte: Mtur-IH -turismo de aventura - importância do registro de acidentes (BRASIL, 2005a).
Os resultados dessa pesquisa precisam ser vistos com atenção, pois não traduzem fielmente os fatos. A falta de informação sobre o número exato de acidentes é propositadamente camuflada por aqueles que acham que notícia ruim não se espalha. Não cabe aqui analisar o esconde-esconde de dados praticados por alguns, mas apenas salientar que os acidentes pessoais são, na realidade, muito mais numerosos do que aqueles contidos no referido diagnóstico.
O fato de não termos informações fidedignas sobre todas essas ocorrências, não pode, no entanto, nos levar a uma posição catastrofista. Basta comparar o número de acidentes fatais no ecoturismo, com o número de mortes causadas pelas balas perdidas. Mesmo sabendo das diferenças proporcionais que a comparação encerra, pode-se afirmar com segurança, que a quantidade de acidentes, nunca foi marca no ecoturismo.
Mas o referido Diagnóstico acrescenta outro dado relevante. O principal fator de ocorrência desses acidentes é a falha humana. Ou seja, os acidentes ocorrem porque o praticante não estava devidamente preparado para fazer aquilo que fazia. Falta de técnica, falta de equipamento e/ou excesso de confiança - a chamada síndrome do herói - são as causas, na maioria dos acidentes pesquisados.
Conhecer o perfil desses acidentados pode ajudar a entender melhor a questão. Segundo o mesmo diagnóstico, mais de 51% dos acidentados estavam fazendo a atividade por conta própria, ou seja, sem o auxílio de profissionais, (guias, instrutores, agentes de viagem etc). O fato é compreensível, pois a quantidade de pessoas que se aventura por conta própria é muito maior do que aquela que procura ajuda de um clube, uma escola ou uma empresa especializada.
Segundo dados fornecidos pelo MMA-IBAMA, o Parque Nacional do Itatiaia/RJ, recebeu em 1994, mais de oitenta mil pessoas, sendo que a maioria delas - 89% - veio em viagens informais, isto é, não organizadas por operadores de turismo (Serrano e Bruhns, 1997). Outra estatística publicada em 1999 pela Embratur, (BRASIL, 1999), informava que somente 14% dos turistas faziam sua viagem com a ajuda de uma empresa turística.
Os anos se passaram e essas percentagens não tiveram, nem terão, grandes mudanças. Como ninguém pode ser compelido a comprar o que não quer (ou precisa), o mercado ecoturístico vai continuar a contabilizar baixos percentuais de pessoas dispostas a pagar pela segurança que um operador de viagens pode e deve oferecer. Um direito garantido pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), quando diz que ninguém pode ser obrigado a comprar o que não quer. É a chamada “cláusula de adesão voluntária determinando que a prestação de um serviço deva corresponder à vontade do consumidor em receber esse mesmo serviço” (Mamede, 2004).
RESPONSABILIDADE, ATO ILÍCITO, DANO e CULPA
Não é objetivo deste artigo mergulhar nas profundezas jurídicas do assunto, e por isso pedimos licença para não descer a fundo nas conceituações. De modo breve e para melhor entendimento da questão, cabe, no entanto, mencionar alguns termos técnicos e conceitos legais.
Risco - é a acumulação da probabilidade de acontecimento de um evento.
Perigo - circunstância que prenuncia um mal para alguém ou para alguma coisa.
Acidente - evento não planejado que resulta em dano e prejuízo aos envolvidos.
Incidente - evento não planejado que NÃO resulta em dano e prejuízo aos envolvidos.
Dano e prejuízo - qualquer prejuízo, especialmente financeiro ou patrimonial, sofrido por alguém, em virtude da ação, influência ou omissão de outrem. (BRASIL, 2005a).
Responsabilidade criminal - pressupõe a autoria de um crime (ação prescrita em lei), de uma ação dolosa, de dano físico ou patrimonial. Na análise dos acidentes físicos, fatais ou não, ocorridos dentro ou no entorno das UC’s essa ocorrência é quase inexistente e quando ocorre, quase nunca está relacionada à atividade turística, objeto desta reflexão. Uma exceção é a ocorrência do crime ambiental preconizado pela legislação e que pode ser imputado a quem causar dano ao meio ambiente natural. Quebrar estalactites, abrir clareira na mata para montar acampamento, deixar que a fogueira se transforme em queimada são exemplos de crimes ambientais sujeitos a punição (multas, reparação do dano e até prisão).
Responsabilidade civil - pressupõe a existência de um dano, independente de dolo ou culpa, da ação ou omissão do agente. Para que a responsabilidade civil seja caracterizada é necessária à existência de um dano.
Dano Físico ou Material - lesão de qualquer bem jurídico, onde se inclui o dano à pessoa (sua saúde, integridade, honra e a moral); e o dano patrimonial. “O mal que se faz a alguém, o prejuízo, a destruição, a inutilização ou a deteriorização da coisa alheia” (BRASIL, 2005a).
Dano Ambiental - alteração indesejável dos elementos do meio ambiente; lesão ao direito fundamental que todos têm de gozar e aproveitar o meio ambiente; interferência causada por atividade ou conduta lesiva, que venha alterar a integridade de um ambiente natural. Pode ser provocado por pessoas físicas ou jurídicas. (BRASIL, 2005a).
Ato ilícito - O nosso Código Civil diz: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (Art. 186). Acrescenta ainda que “quem causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (Art. 927).
O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) é bem claro quando preconiza que:
o fornecedor [...] é responsável pela reparação dos danos causados ao consumidor e por todos os defeitos do produto [...] bem como por informação insuficiente sobre sua utilização e risco [...] o fornecedor de serviços é responsável, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores pela prestação de serviços, como também por informações inadequadas sobre sua fruição e risco.
Dolo - é a vontade intencional de praticar qualquer ato que cause dano ou prejuízo a outrem. “O dolo caracteriza-se na ação cognitiva e volitiva do agente que tem conhecimento da ilicitude do ato e ocorre quando o agente deseja a ação ou omissão lesiva ou assume o risco de produzi-la” (Meirelles, 2005).
Culpa - é a conduta involuntária de alguém que viola um bem jurídico. Essa violação advém da inobservância, do dever de precaução ao praticar um ato. Normalmente o objetivo a ser atingido é lícito, entretanto é a maneira de agir do indivíduo que pode levar a um resultado danoso. A presunção de culpa tem três pressupostos básicos:
1. Negligência - age assim quem faz algo com desleixo, desatenção, descuido, menosprezo, preguiça ou indolência. Quem não cuida da manutenção dos equipamentos de segurança usados numa escalada é negligente. O mesmo se pode dizer de quem não oferece capacetes aos clientes que vão visitar uma caverna ou não exige o uso do colete salva-vidas no passeio de barco.
2. Imperícia - age assim quem faz algo sem a experiência necessária, quem não tem a competência exigida para tanto ou é inábil diante de um fato ou situação. Aquele que desce a trilha da Serra do Mar sem conhecer direito o caminho e se perde na mata é, a priori, incompetente. Quem põe em risco seus clientes porque não soube avaliar corretamente as condições físicas do grupo (cliente errado, no lugar errado), está agindo com imperícia. Deixar de dar um nó no fim da corda do rappel é uma enorme demonstração de imperícia e já causou dezenas de mortes.
3. Imprudência - age assim quem não tem moderação, cautela ou comedimento diante da situação. Quem substitui a valentia pela técnica é imprudente. Aquele que, só porque assistiu ao vídeo do Discovery Channel cinco vezes, acha que pode mergulhar incólume no meio dos tubarões é estupidamente imprudente. Bancar o herói ou pousar de machão é comportamento que identifica os imprudentes de plantão.
Convém frisar que a negligência, a imprudência e a imperícia, não são comportamentos exclusivos das pessoas físicas. O Poder Público, o diretor da Unidade de Conservação, o diretor da empresa turística, o aventureiro de carteirinha, o pesquisador, o turista/consumidor, o monitor ambiental e até o titio que leva seus sobrinhos para conhecerem a Mata Atlântica, estão sujeitos à mesma regra.
BIBLIOGRAFIA
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Sobre os autores
(1) João Allievi, espeleólogo, advogado e professor de direito ambiental e turístico.
(2) Silvania Maria Schumaher, advogada com especialização em Ecoturismo pelo Senac/SP.